"traffic shaping". Já ouviram falar?

Tenho recebido reclamações sobre provedores/operadoras que estariam fazendo "traffic shaping". Já ouviram falar? O traffic shaping seria uma tentativa nefasta de controle do tráfego de informações pela internet, com vistas a dar prioridade a determinados pacotes de dados em detrimento de outros.
George Orwell, o genial autor de "A revolução dos bichos", conta nesse livro - a melhor crítica já feita aos sistemas totalitaristas - que, depois de tomarem o poder dos humanos numa fazenda, os animais começaram a ter problemas entre si. Aqueles a quem coube o governo deram sinais de trair o movimento e, não demorou muito, havia os animais "iguais entre si" e os "mais iguais que os outros"...
Pois é. No traffic shaping também há essa distinção.
Alguns pacotes seriam mais importantes que os outros. E quem toma tal decisão? Quem está com a faca e o queijo na mão - por faca e queijo leia-se o controle do meio físico da rede mundial.
Não faz muito tempo, escrevi uma coluna aqui em que relatava uma apresentação feita pelo pioneiro da web brasileira, Carlos Afonso, diretor de planejamento da Rits, em que ele alertava justamente para essa prática, através dos famigerados analisadores de datagramas, capazes de identificar e filtrar pacotes de dados e, assim, escolher os mais bem-vindos entre eles. Para Afonso, isso representa um dos maiores riscos em relação à neutralidade da internet. Que, cá entre nós, já é ameaçada de berço, com governos de países mais fechados tentando a todo custo controlar o fluxo de informações em sites de busca (caso da China) e com um "governo" muito precário nas mãos da Icann, que decide sobre os domínios da internet no mundo.
Não por acaso, o Fórum de Governança na Internet tenta abrir a discussão sobre este e outros temas (seu site fica aqui) e serve como um espaço para repensar os rumos do ciberespaço. O Rio será a sede de sua próxima reunião, que acontece de 12 a 15 de novembro próximo (2007).
Mas voltemos ao traffic shaping. Geralmente colocados na ponta das redes, os traffic shapers têm como principal função atrasar a entrega de pacotes de dados. As principais vítimas da prática seriam os sites de compartilhamento peer-to-peer de arquivos, especialmente os de arquivos mais pesados, como o BitTorrent. A conseqüência imediata disso seria uma taxa de download rídicula, às vezes mais lenta que a de uma conexão discada.
Do ponto de vista da segurança da informação, a filtragem de dados na origem pode ser considerada uma necessidade, para identificar e evitar spam e ataques eletrônicos. Do ponto de vista do acesso ao conteúdo, entretanto, ela afronta o direito de ir e vir no meio virtual e insulta a inteligência dos internautas e usuários de computador. Não custa relembrar a frase lapidar de Afonso: se somos todos iguais perante a lei, todos os dados deveriam ser iguais perante a rede.
A Wikipedia tem verbetes em português e inglês sobre o assunto. Em português, no próprio verbete ela aponta algumas das empresas que usariam traffic shaping no Brasil e em Portugal. Em inglês, há um verbete chamado Bad ISPs (maus provedores) que traz uma lista de provedores que obstruiriam o BitTorrent em vários países. O verbete fica no endereço http://www.azureuswiki.com/index.php/Bad_ISPs. É dentro de um wiki do Azureus, programa-cliente para o BT em Java.
Qual seria a saída para evitar o traffic shaping? Usar criptografia seria um caminho - a própria wiki do Azureus tem uma seção sobre o tema --, mas talvez não seja preciso. Segundo David Svaiter, diretor de tecnologia da Lynchesvaiter, criadora do encriptador Cypher, bastaria trocar a porta de conexão do programa P2P em suas configurações.
-- Mas o mais provável é que esses atrasos nos pacotes do BitTorrent, ou no eMule, sejam devido a insuficiência de banda mesmo, impossibilidade técnica, não traffic shaping. Afinal, os sites P2P fomentam o tráfego de dados... e não é exatamente isso o que as operadoras querem? -- pondera David. -- Por outro lado, há, com certeza, traffic shaping para operações de voz sobre IP. Isso porque o padrão de tráfego da VoIP é facilmente identificável.
[Depois que escrevi o artigo, Carlos Afonso me respondeu, contando que existe traffic shaping até para serviços de internet para empresas. A desculpa seria a mesma de sempre: "proteção dos dados". O texto dele sobre neutralidade na internet está bem aqui. Uma coisa é certa: tem que reclamar, e muito. E, não bastasse toda essa pinimba com o P2P, parlamentares americanos já pensam em leis contra ele, sob o pretexto de que o peer-to-peer ameaça a segurança nacional. É dose.

Fonte: ComUnidade WirelessBRASIL
Blog do André Machado - O Globo Online

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